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Bastaram poucas horas após o pronunciamento de despedida de Sergio Moro do cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública, na sexta-feira (24), para o primeiro pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) chegar ao Congresso. A acusação feita pelo ex-juiz, de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, deixou os parlamentares em polvorosa. Esse movimento deve reverberar ainda mais após a divulgação da íntegra do depoimento prestado por Moro à PF.
O objetivo da CPI, segundo a descrição do documento protocolado pelo deputado Aliel Machado (PSB-PR), é “investigar os motivos que levaram o presidente da República a usar da prerrogativa de seu cargo para finalidade pessoal, que é a proteção a investigações criminais”.
Machado "puxou a fila" de uma série de requisições de CPIs com a mesma finalidade anunciadas nas horas e dias seguintes à fala de Moro. Deputados e senadores de diferentes partidos relataram o interesse na constituição de uma comissão parlamentar para apurar as denúncias do ex-ministro e também a atuação de Moro como titular da Justiça e Segurança Pública.
Ao mesmo tempo, a CPI mista que apura a disseminação de fake news na internet e que já está com seus trabalhos em andamento passou a cogitar convidar o ex-ministro Moro para depor.
Quem quer abrir uma CPI?
Representantes do Cidadania na Câmara e no Senado também comunicaram o desejo de instalar uma CPI. No texto em que demandam a criação do colegiado, os integrantes do partido apontam que Bolsonaro pode ter cometido tanto o crime de obstrução de Justiça quanto crime de responsabilidade, que pode acarretar em um processo de impeachment. O documento é assinado pelos líderes do partido, a senadora Eliziane Gama (MA) e o deputado Arnaldo Jardim (SP).
O PSDB entregou outra requisição de CPI. O parecer do partido, assinado pelo líder na Câmara, deputado Carlos Sampaio (SP), alega a possibilidade de Bolsonaro ter cometido três crimes: falsidade ideológica, advocacia administrativa e crime de responsabilidade.
Um pedido menos focado em Bolsonaro foi o elaborado por quatro deputados do PT: Rogério Correia (MG), Paulo Pimenta (RS), Natália Bonavides (RN) e Célio Moura (TO). A demanda dos petistas é pela instalação de uma CPI que apure a atuação de Moro no Ministério da Justiça, que segundo eles poderia ter sido relacionada aos crimes de prevaricação, obstrução a investigações e advocacia administrativa.
Eles também querem esclarecimentos sobre o pedido de pensão que Moro teria feito a Bolsonaro antes de aceitar o convite para integrar o governo. No pronunciamento de despedida do cargo, o ex-juiz disse ter feito ao presidente da República um pedido de ajuda para sua família, caso sofresse algum atentado que lhe tirasse a vida durante o exercício como ministro.
Os deputados Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e Orlando Silva (PCdoB-SP), além do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), também informaram que pretendem apresentar solicitação para criação de uma CPI para apurar as denúncias de Moro. Até o momento, entretanto, nenhum pedido de nova CPI foi formalizado na Câmara dos Deputados.
Além das novas CPIs
A criação de novas CPIs não é o único caminho cogitado pelo Congresso para apurar as denúncias de Sergio Moro. Em vigor desde o ano passado, a CPI das Fake News quer a presença do ex-ministro: há seis pedidos de convocação de Moro e um de convite, além de um pedido de convite para Maurício Valeixo, ex-diretor da Polícia Federal, cuja exoneração foi o estopim da crise entre o ex-juiz e o presidente Bolsonaro.
A pandemia de coronavírus, entretanto, torna difícil a sessão com Moro. O presidente da CPI, senador Angelo Coronel (PSD-BA), disse que descarta ouvir Moro por videoconferência, por entender que seu depoimento seria de muito interesse para os parlamentares, mas também lembra que as reuniões presenciais estão desaconselhadas.
Moro também pode ser chamado para depor na Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC), por conta de convite apresentado pelo senador Reguffe (Podemos-DF). Há ainda a possibilidade de que ele seja chamado para falar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), também do Senado, por requisição de Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Muita vontade e pouco resultado
O excesso de pedidos de criação de CPIs é comum em períodos de crise, e também no começo de novas legislaturas do Congresso. No início de 2019, por exemplo, Câmara e Senado viveram uma profusão de requisições de CPIs — a maior parte sem sucesso, como as para investigar a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Comissão da Verdade, a publicidade governamental e outras.
Também no começo do ano passado, a tragédia de Brumadinho, com o rompimento da barragem da mineradora Vale, motivou uma "guerra" entre parlamentares para a autoria do pedido de criação da CPI. Como resultado, tanto Câmara quanto Senado tiveram colegiados sobre o caso.
Apesar da gravidade da denúncia de Moro, há um clima de que os pedidos de instalação da CPI da Polícia Federal não irão prosperar. Segundo o site O Antagonista, os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), já sinalizaram que não querem criar uma comissão durante a pandemia do coronavírus. Líderes do Centrão, que estão com negociações abertas para ocupar espaços de influência no governo Bolsonaro, também não desejam que a CPI seja aberta.
Como instalar uma CPI
As CPIs podem funcionar isoladamente na Câmara ou no Senado, ou incluírem as duas casas — nesse caso, são chamadas de CPIs Mistas, ou CPMIs. Para poderem ser instaladas, precisam do apoio de um terço dos parlamentares: deputados, senadores ou ambos, de acordo com a casa em que operarão.
A pandemia de coronavírus trouxe uma mudança significativa para o processo de constituição das CPIs. Em tempos normais, os interessados na criação das comissões precisam coletar as assinaturas necessárias e aí apresentar o pedido. Agora, o parlamentar que quer criar a CPI protocola sua requisição e os apoiadores assinam digitalmente o apoio.
A Câmara permite que somente cinco CPIs funcionem ao mesmo tempo na casa. Há, atualmente, apenas uma em vigor: a que apura o derramamento de óleo nas praias do Nordeste, que foi detectado no ano passado.
As CPIs são as principais ferramentas de investigação de Câmara e Senado. Têm força, em alguns aspectos, similar ao de autoridades judiciais. Podem convocar autoridades, pedir o depoimento de testemunhas, fazer diligências externas e até mesmo quebrar os sigilos bancário, fiscal e telefônico.
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